ORIGEM, CONCEITO E OBJETO DO DIREITO ADMNISTRATIVO - COM QUESTÕES COMENTADAS
Origem do Direito Administrativo
O Direito Administrativo como ramo autônomo do direito surgiu como
consequência direta dos ideais da Revolução Francesa de 1789, marcando a
transição do Estado absolutista (Estado de Polícia) - onde as ordens do rei
imperavam - para o Estado de Direito – onde o poder do Estado é limitado pelas
leis. Seus fundamentos principais estão nas seguintes conquistas revolucionárias:
Princípio da legalidade: o Estado
passa a estar submetido à lei.
Separação de poderes: impede a
concentração do poder estatal em um único órgão.
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: assegura
direitos fundamentais oponíveis ao Estado.
Marcos que
deram origem ao Direito Administrativo como ramo autônomo
A doutrina nos relata dois marcos principais que deram origem ao Direito
Administrativo como ramo autônomo sendo um deles um caso prático (caso Agnes Blanco)
e outro um marco normativo ( lei do 28 pluviose):
Um marco na origem prática do
Direito Administrativo foi o julgamento do caso Blanco (arrêt Blanco), em
1873, que estabeleceu a competência do Conselho de Estado francês para
julgar litígios envolvendo a Administração, reconhecendo a necessidade de
normas e jurisdição próprias para os atos administrativos. Nesse caso uma
criança chamada Agnes Blanco havia sido atropelada por uma vagonete guiada por
empregados da Companhia Nacional da Manufatura de Tabaco ficando com sequelas. Diante
deste acidente, o genitor de Agnes ingressou com ação indenizatória contra o Estado
cujo objeto foi a responsabilização civil patrimonial do Estado frente ao
acidente ocasionado por seus empregados.
O ajuizamento da ação causou conflito entre a jurisdição administrativa
chamada de contencioso administrativo (Conselho de Estado) onde o Estado é
parte na ação, e a jurisdição comum (Corte de Cassação) onde o particular é
parte do processo. Desta forma, o caso foi parar no Tribunal de Conflitos que
determinou que a competência para o processamento e julgamento da ação seria da
jurisdição administrativa e se daria pela adoção das normas de direito público,
pois o caso se tratava de relação jurídica envolvendo o Estado e o dano era proveniente
da realização de serviço público.
Um marco normativo foi a lei do 28 pluviose de 1808 que é
apontada pela doutrina como sendo a “certidão de nascimento” do Direito Administrativo.
Referida lei estabeleceu normas de organização administrativa e solução de
litígios contra a Administração Pública.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro cita em sua obra, Direito Administrativo,
a lição de MIGUEL REALE: “Importante,
quanto ao tema, é o pensamento de Miguel Reale, em trabalho sobre Nova fase do
direito moderno (1990:79-82), em que o autor demonstra que tanto o direito constitucional
como o administrativo são filhos da Revolução Francesa. Observa o autor que
“nesta, com efeito, surgem as condições históricas e os pressupostos teóricos
indispensáveis ao estudo da administração pública segundo categorias jurídicas
próprias, a começar pela afirmação dos direitos do cidadão perante o Estado; o princípio
da responsabilidade dos agentes públicos por seus atos arbitrários, e o livre acesso
de todos às funções administrativas”. Acrescenta o autor que, “sem a subordinação
do Estado ao império da lei e da jurisdição não teria sido possível o
tratamento autônomo e sistemático do Direito Administrativo”. (Di Pietro,
Maria Sylvia Zanella Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. –
33. ed. – Rio deJaneiro: Forense, 2020 pg. 72).
A nobre doutrinadora segue explanando: “Na realidade, pode-se afirmar que, qualquer que tenha sido o intuito
inicial da criação do Direito Administrativo, o fato é que, sob o ponto de
vista jurídico, ele nasceu junto com o constitucionalismo e com o Estado de
Direito, não tendo como furtar-se à influência dos ideais filosóficos que inspiraram
a Revolução Francesa (representados especialmente pelas figuras de Rousseau e
de Montesquieu) e deram nascimento aos princípios da separação de poderes, da
isonomia, da legalidade e do controle judicial.” (Di Pietro, Maria Sylvia
Zanella Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. – 33. ed. –
Rio deJaneiro: Forense, 2020 pg. 72)
SISTEMAS
ADMINISTRATIVOS:
Sistema
de jurisdição una – sistema inglês – e sistema do contencioso administrativo ou
dualidade de jurisdição – sistema francês.
Segundo Rafael Carvalho
Rezende Oliveira, “Os sistemas
administrativos compreendem os mecanismos utilizados pelos diversos países para
o controle jurisdicional da atuação administrativa” (OLIVEIRA, Rafael
Carvalho Rezende Curso de Direito Administrativo – 8. EDIÇÃO-RJ, Método, 2020
pg 59).
O renomado autor
informa que em síntese existem duas espécies de sistemas administrativos:
1.
Sistema de jurisdição una (ou sistema inglês)
Origem: Inglesa e
norte-americana.
Características: Todo e
qualquer ato, inclusive da Administração Pública, pode ser analisado
exclusivamente pelo Poder Judiciário comum que decide de maneira definitiva (faz
coisa julgada). É o sistema adotado no Brasil pelo art. 5º, XXXV, da
Constituição Federal – princípio da inafastabilidade do Judiciário.
2.
Sistema de dualidade de jurisdição (ou contencioso administrativo ou da
jurisdição administrativa).
Origem: Francês.
Características: Há
duas ordens de jurisdição: Ordinária ou comum: julga
atos dos particulares. Jurisdicional administrativa:
julga atos da Administração Pública, por meio de órgãos especializados como o
Conselho de Estado, que acumula funções consultivas e decisórias sobre conflitos
envolvendo a juridicidade das atividades administrativas.
SURGIMENTO
DO DIREITO ADMINISTRATIVO NO BRASIL
Segundo leciona Rafael Carvalho
Rezende Oliveira: “ O Direito
Administrativo surge e se desenvolve no Brasil após o período colonial, com a
declaração de independência e a instituição de uma monarquia limitada pela
ordem jurídica. Com a revolução de 1930 e a promulgação da Constituição de
1934, percebe-se a crescente intervenção do Estado na ordem econômica e social,
o que acarreta a instituição de novas entidades administrativas, a assunção de
novas tarefas pelo Estado e o aumento do quadro de agentes públicos,
demonstrando, dessa forma, a importância no desenvolvimento do Direito
Administrativo brasileiro. Após o período ditatorial e com a promulgação da
Constituição de 1988, o Direito Administrativo é inserido no Estado Democrático
de Direito, passando por importante processo de constitucionalização, com o
reconhecimento da centralidade dos direitos fundamentais e da normatividade dos
princípios constitucionais.” (OLIVEIRA, Rafael
Carvalho Rezende Curso de Direito Administrativo – 8. EDIÇÃO-RJ, Método, 2020
pg. 64).
Objeto
do Direito Administrativo
No direito
brasileiro, segundo a doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, constituem objeto do Direito Administrativo, sendo
por ele regulado e estudado nos livros de doutrina, os seguintes temas:
a) Administração
Pública, em sentido subjetivo, para abranger as pessoas
físicas e jurídicas, públicas e privadas, que exercem a função administrativa
do Estado; aí entram os órgãos administrativos que integram a
Administração Direta, as entidades da Administração Indireta, os agentes públicos;
b) Administração
Pública em sentido objetivo, ou seja, as funções administrativas do Estado, a saber, serviço público, polícia
administrativa, fomento, intervenção e regulação;
c) as entidades paraestatais (como os serviços sociais autônomos) e
as entidades do chamado “terceiro setor”, como as organizações sociais, as organizações
da sociedade civil de interesse público – OSCIPS, as organizações da sociedade
civil, as entidades filantrópicas, as declaradas de utilidade pública e outras
modalidades com as quais a Administração Pública tenha algum tipo de vínculo;
d) o regime jurídico administrativo, abrangendo as prerrogativas,
privilégios e poderes da Administração (a chamada puissance publique dos franceses), necessários para a consecução do interesse
público, bem como as restrições necessárias à garantia dos direitos
individuais, em especial as representadas pelos princípios da Administração Pública;
e) os vários
desdobramentos do poder de polícia e do princípio da função social da
propriedade, incidentes sobre a propriedade privada, como as diversas formas de
intervenção do Estado na propriedade privada (limitações administrativas, tombamento,
desapropriação, requisição, servidão administrativa, dentre outras);
f) a discricionariedade administrativa, especialmente sob o
aspecto dos limites de sua apreciação pelo Poder Judiciário;
g) os meios de
atuação da Administração Pública, abrangendo os atos e contratos
administrativos, inclusive o processo da licitação; aí se incluem as
várias modalidades de acordos de vontade firmados pela Administração Pública,
como as diferentes formas de concessão (de serviço público, de obra pública, de
uso de bem público, patrocinadas e administrativas, estas duas últimas como espécies
de parcerias público-privadas), os convênios, os termos de parceria, os
contratos de gestão e outros instrumentos congêneres;
h) os bens públicos das várias modalidades e respectivo regime jurídico,
inclusive quanto às formas de sua utilização por particulares;
i) o processo administrativo e respectivos princípios informadores;
j) a responsabilidade civil do Estado;
k) a responsabilidade das pessoas jurídicas que causam danos à Administração
Pública;
l) o controle da Administração Pública, nas modalidades de
controle administrativo, legislativo e jurisdicional;
m) a improbidade administrativa.
(Di Pietro, Maria Sylvia Zanella Direito administrativo / Maria Sylvia
Zanella Di Pietro. – 33. ed. – Rio deJaneiro: Forense, 2020 pg. 151)
Conceito
de Direito Administrativo
O Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que regula os
princípios e regras aplicáveis à atividade administrativa do Estado, com o
objetivo de satisfazer os direitos fundamentais da coletividade.
Essa atividade é caracterizada como residual, ou seja, compreende tudo o
que não for função legislativa nem jurisdicional, incluindo:
- Poder de polícia
- Regulação
- Serviços públicos
- Fomento, entre outros.
Maria Sylvia Di Pietro conceitua do Direito
Administrativo como: “ O ramo do direito
público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas
administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não
contenciosa que exerce e os bens e meios de que se utiliza ara a consecução de seus fins, de natureza pública.”
Di
Pietro, Maria Sylvia Zanella Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di
Pietro. – 33. ed. – Rio deJaneiro: Forense, 2020 pg. 194).
Critérios
de definição do objeto do Direito Administrativo
Critério Legalista (Escola Exegética)
·
Direito Administrativo = Conjunto de leis
administrativas.
· Crítica: Reducionista – ignora a doutrina, jurisprudência e os princípios.
Critério do Poder Executivo
·
Direito Administrativo = Atuação do Poder
Executivo.
· Crítica: Equivocado – função administrativa pode ser exercida: Por outros Poderes (Legislativo/Judiciário); Por particulares (ex: concessões).
Critério das Relações Jurídicas
·
Direito Administrativo = Relações entre
Administração Pública e particulares.
· Crítica: Também existente em outros ramos (Tributário, Penal); nem toda atuação administrativa gera relação jurídica.
Critério do Serviço Público
·
Direito Administrativo = Regulação dos serviços
públicos.
· Crítica: Limitado – há atividades administrativas que não são serviços (ex: poder de polícia, obras públicas, fomento).
Critério Teleológico (Finalístico)
· Direito Administrativo = Conjunto de normas para
realizar os fins do Estado.
· Crítica: Definição válida, mas incompleta.
Critério Negativista
· Direito Administrativo = Tudo que não for função
legislativa ou jurisdicional.
· Crítica: Critério negativo e vago.
Critério da Atividade Jurídica x Social
·
Distingue atividade jurídica (não contenciosa)
da social (organização do Estado).
· Crítica: Pouco adotado na doutrina.
Critério Funcional
(Majoritário)
Direito
Administrativo = Regulação da função
administrativa, independentemente
do agente: Pode ser exercida por Executivo, Legislativo,
Judiciário ou até mesmo por particulares (casos de delegação)
QUESTÕES
COMENTADAS
1-
(2024 - CESPE / CEBRASPE - CAPES - Analista em Ciência e Tecnologia -
Especialidade: Estatística
Administração pública,
em sentido subjetivo, designa a natureza da atividade exercida pelos órgãos e
agentes públicos incumbidos de exercer a função administrativa.
( ) certo
( ) errado
GABARITO: ERRADO.
Segundo a
doutrina, a Administração Pública, em sentido subjetivo
abrange a quem exerce a função
administrativa, ou seja, os órgãos
administrativos que integram a Administração Direta, as entidades da Administração
Indireta, os agentes públicos;
Sentido subjetivo é quem exerce.
Administração Pública em sentido objetivo, ou seja, as funções administrativas do Estado abrange ao o quê é exercido, ou seja, o serviço público,
polícia administrativa, fomento, intervenção e regulação...
Sentido objetivo: o quê
é exercido
A
questão indaga sobre a natureza
da atividade exercida pelos órgãos e agentes
públicos incumbidos de exercer a função administrativa, ou seja, o que é
exercido pelos órgãos e portanto a questão fala sobre o sentido objetivo e não
o subjetivo.
2 -2023 - CESPE / CEBRASPE - AGER -
Mato Grosso - Inspetor Regulador
A
administração pública pode ser conceituada como o conjunto de órgãos e
entidades destinados à execução das atividades públicas. Nesse sentido, a
administração pública é entendida sob o aspecto:
a)
subjetivo
b)
objetivo
c)
material
d)
teleológico
e)
finalístico
GABARITO:
LETRA A
Administração
pública em sentido subjetivo, orgânico ou formal é o conjunto de entes, entidades, órgãos e agentes públicos
que exercem atividade administrativa – quem exerce.
Administração
pública em sentido material, objetivo ou funcional é o conjunto de atividades administrativas exercidas pelos
entes, entidades, órgãos e agentes públicos que integram a administração
pública. – o quê exerce.
3- 2023 - CESPE / CEBRASPE - PGE-ES
- Procurador do Estado
Aqueles
que consideram o direito administrativo como o sistema dos princípios jurídicos
que regulam a atividade do Estado para o cumprimento dos seus fins,
compreendendo as normas que disciplinam a atividade concreta para a consecução
de sua finalidade, adotam o critério
a)
teleológico.
b)
residual
c)
da administração pública
d)
das relações jurídicas
e)
do serviço público
GABARITO:
LETRA A
A
matéria trata dos critérios de definição do Direito Administrativo
Segundo Alexandre
Mazza o critério teleológico ou finalístico: considera que o Direito
Administrativo deve ser conceituado a partir da ideia de atividades que
permitem ao Estado alcançar seus fins. (Mazza, Alexandre. Manual de Direito
Administrativo/ Alexandre Mazza. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013 pg 33).
4- 2018 - CESPE / CEBRASPE
- TCE-MG -Analista de Controle Externo – Direito
Considerando a origem,
a natureza jurídica, o objeto e os diferentes critérios adotados para a
conceituação do direito administrativo, assinale a opção correta.
a) No direito
administrativo, adota-se o modelo francês de jurisdição como forma de controle
da administração.
b) O direito
administrativo disciplina direitos consolidados e estáveis.
c) O objeto do direito
administrativo é o estudo da função administrativa.
d) O direito
administrativo é ramo recente do direito e a aplicabilidade da legislação a ele
pertinente restringe-se ao Poder Executivo.
e) As leis e normas do
direito administrativo encontram-se consolidadas em código específico.
GABARITO:
a)
ERRADO. O Brasil adota o sistema de jurisdição una – sistema inglês - em que as decisões são consideradas
definitivas quando julgadas pelo Poder Judiciário. Tal disposição encontra-se
no art. 5º, XXXV, da CF/88, que consagra o princípio da inafastabilidade do
controle jurisdicional. Por este sistema, todos os atos do Poder Público, como
regra geral, podem ser submetidos ao Poder Judiciário, cabendo a este decidir
com definitividade – COISA JULGADA.
A
França adota o sistema dual onde existe o contencioso administrativo e judicial
comum, sendo certo que ambas decidem suas matérias com definitividade, fazem
coisa julgada.
b) ERRADO. Não existe a estabilidade descrita na questão, pois o direito administrativo está sempre em constante inovação e novas leis são criadas.
c)
CERTO. É o critério funcional aceito pela doutrina como majoritário.
Conforme
descreve Matheus Carvalho em seu manual de direito administrativo:
“ Modernamente, a doutrina
majoritária tem apontado no sentido de se utilizar o critério funcional como o
mais eficiente na definição da matéria. Conforme esse critério, o Direito Administrativo
é o ramo jurídico que estuda e analisa a disciplina normativa da função
administrativa, esteja ela sendo exercida pelo poder Executivo, Legislativo,
Judiciário ou, até mesmo, por particulares mediante delegação estatal.
Assim, para o Prof. Hely Lopes Meirelles, o Direito Administrativo consiste no “conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado.”
(Carvalho, Matheus. Manual de direito administrativo/ 5° edição. Salvador. JusPODIVM pg.38)
d) ERRADO. A
aplicabilidade do direito administrativo não se restringe ao Poder Executivo
uma vez que a função administrativa está presente em todos os poderes. Ex: o Poder Judiciário também possui atipicamente função administrativa quando faz
concurso público ou licitação. Da mesma forma ocorre com o Poder Legislativo.
e)
ERRADO. O direito administrativo não está codificado como ocorre, por exemplo,
com o direito penal e civil onde temos o código penal e código civil. Não existe
um código de direito administrativo.
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